20.8.10

35 km

Chego à Costa da Caparica pelas 8h da manhã com o céu ligeiramente encoberto. A intenção era fazer uma hora de treino como sempre. Coloco o cinto, encho o pequeno depósito de 180 ml com a limonada que tinha feito em casa e que estava numa garrafa de meio-litro e só com isto vou para o areal. Sem GEL, sem tabletes, sem mais nada, só o telemóvel, o pequeno depósito e um GPS de colocar ao pescoço oferecido pelas minhas filhas e genro no dia dos meus anos, que era para eu não me voltar a perder na serra. Este GPS iria servir só para verificar quantos km faria em 30’. No retorno este GPS vai reduzindo a quilometragem até ao ponto zero que será o ponto de partida. O meu olhar estende-se pela praia. Parecia uma auto-estrada, e então dá-me uma de loucura, porque não fazer 35 km e comemorar desta forma os 35 anos do Vítor Veloso já que não o pude fazer no próprio dia do aniversário dele? Se o pensei, melhor o fiz, iria correr essa distância, 17,5km para lá e os respectivos 17,5 do retorno. GPS a zeros, cronómetro a funcionar e lá vou eu. Os km acumulam-se. Passo a Fonte da Telha e a Praia do Americano. Nunca tinha corrido para além destas praias, a partir daí seria o desconhecido. As gaivotas, friorentas, aguardavam no areal que o sol abrisse para secarem as penas e poderem voar. À minha passagem que remédio tiveram elas senão esvoaçar e pousar metros depois.
Pela primeira vez vejo a "Lagoa da Albufeira", mas até aí ainda não eram os 17,5 km (o GPS marcava 14,9km). A maré estava a encher, tinha que passar para o outro lado. Retiro o cinto, coloco-o sobre a cabeça e lá vou eu. A corrente estava forte em direcção ao mar. A água dava-me pelo meio do peito mas continuo a avançar. Fico em dificuldades pois só com uma mão não podia fazer muita coisa, teriam que ser as pernas a suportar a forte corrente. Eis-me do outro lado. A areia aí era muito parecida com a que tive em Melides, muito solta e grossa. Mas estava decidido e assim lá vou. A areia melhorou e começo a ver muita gente como tinham vindo ao mundo. Não sabia que praias eram aquelas, afinal estava na zona da famosa "Praia do Meco". O GPS marca 17,5 km, e o cronómetro 1h52’, estava na hora de voltar. Pergunto a um naturista que praia era e ele diz-me que era a “Praia das Bicas”.
Aos 17,5 km na "Praia das Bicas"
Bebo pela primeira vez a água que tinha levado, mas como o depósito é pequeno só bebi um pouco pois ainda faltavam muitos km para acabar e lá para mais adiante a água seria importante para poder acabar o treino sem problemas. O regresso, chego de novo à Lagoa de Albufeira. A maré mais cheia e tirando de novo o cinturão atiro-me à água. Aqui assustei-me, tentava avançar e a corrente a empurrar com mais força para o mar. O pessoal, à berma da Lagoa, devia pensar que eu tinha fugido do "Júlio de Matos". Com um cinturão à cabeça e a tentar chegar ao outro lado só de doidos. Mas não podia fazer mais nada, só me restava atravessar.
A atravessar a "Lagoa de Albufeira" no retorno
Fui bebendo pequenos goles da limonada até que esta acabou, estava na Fonte da Telha. O sol já apertava e eis que uma dor me apoquenta o joelho direito quando ainda faltavam 4.9 km para os restantes 17,5 km. A partir daí só me restava correr e andar até ao fim. A secura já se fazia sentir, teria que encher o depósito e iria fazê-lo num Restaurante de uma das praias. Mas ao olhar para cima, para o areal solto, vi uma geleira. Se há uma geleira há água fresca de certeza, pois estavam lá duas mulheres e um homem. Cerveja para os homens, água para as mulheres. Desloquei-me até lá e perguntei se não havia um pouco de água para me encher o cantil. Aberta a geleira, água fresquinha. Encheu-me e eu bebi logo tudo de seguida. Perguntou se queria mais e eu. «Se puder ser!» e foi. Obrigado! Já de cantil cheio, até a dor do joelho passou. Passo a “Praia da Mata”, sei que a partir daí só falta 1,2 km para chegar ao destino. A minha filha e o meu genro, que tinham vindo até à praia, esperavam pela minha chegada, que aconteceu 4h09’26’’ depois de ter partido.


Escrevi na areia: «Parabéns Vítor, 35 km
P.S. - Os 35 km foram feitos descalço. O Mestre sapateiro que nos fez as solas dos pés é bom. O "acento" que está no nome do Vítor é o pequeno depósito de água.

8 comentários:

amantes da corrida disse...

Boa"Duro" Mário!

Foi um treino e perâs...

Por vezes e quase por regra os melhores treinos, são os inesperados e que por um ou outro motivo sentimos-nos bem ou queremos celebrar algum evento ou algo especial, e desta vez uma forte motivação, o aniversário do amigo Vitor Veloso!

Estou a espera de ter um "tempinho" para voltar a correr nas praias da Costa Caparica e Fonte da Telha, eventualmente em Outubro irei tentar fazer o mesmo percurso, porque o máximo que fui também foi até à Fonte da Telha e assim também já fico com noção do percurso a realizar.

Um abraço e bfs!

Vitor disse...

Amigo Mário,
eu já atravessei o canal de agua que vai para lagoa de albufeira mas com agua quase pelo pescoço e com a mochila nas mãos, noutros tempos.
A correr só fui ate a lagoa um dia que a maré deixe irei tentar ir o mais longe possível, se desse ao cabo espichel.
Mas que treino muito bom, obrigado pela referencia do meu aniversario, o Mário arranjou maneira de o comemorar.
Grande abraço

Vitor disse...

Vi agora as fotos, a mensagem na areia esta um espectáculo, só mesmo do grande amigo Mário. Obrigado

joaquim adelino disse...

Quase que me deixava emocionar por esta bonita aventura e também pelo seu significado.
Que pena, isto tem mais encanto quando temos companhia.
Foi um risco elevado que correste ao atravessar o caudal da Lagoa de Albufeira, aquilo é muito traiçoeiro, mas valorizou muito esta tua aventura.
E se estivesses na Montanha? só aquela água? de que te serviria o GPS? remenda-se aqui, descose-se ali... bem, no final tudo correu bem, mas abusaste um bocadinho.
Até ao Avante, é para almoçar por lá.
Hoje vou recomeçar, há 3 semanas que estou parado, vai ser bonito.
Abraço.

Pedro Ferreira disse...

Amigo Mário!
Parabéns por mais esta aventura! Já estou de volta ao mundo da corrida e prometo fazer companhia numa próxima prova!

Jorge Branco disse...

Grande aventura!
Vai ficar em destaque no Último Quilómetro!
Grande abraço.

Filipe Fidalgo disse...

Amigo, Mário.
Perdoa-me descrever esta tua magnífica aventura com uma só palavra....
BRUTAL....
Simplesmente Brutal.
Quando se juntar ao Vitor para o treino até ao Cabo, contem comigo, porque correr lado a lado com aventureiros deste calibre é uma HONRA.
Um grande Abraço.

ana paula pinto disse...

Ontem, muito eu escrevi:-))

Quando ia enviar, olhe, foi um "ar que lhe deu":))

Queria dizer-lhe que ando tão meia (ou toda) despassarada que bem achei que o conhecia de algum lado...lá no Avante. Mas não me ocorreu que o senhor alto que estava a falar para mim, seria o Mário Lima._)
Enfim... vai deesculpar-me não ter "dado muita convera". Por natureza sou reservada qaundo nao conheço (embora pareça o contrário):-) e o Mário, naquela altura era apenas uma "pessoa" e ainda por cima, masculina, imagine-se!
Enfim...já percebeu que não "percebi" mesmo que era o Mário que corre hoje.

Um beijinho. As minhas desculpas.

Bons treinos (aliás, excelentes treinos)

(já tinha elogiado, algumas vezes a selecção musical. Volto a fazê-lo. Gosto muito)

Ana Paula Pinto